segunda-feira, dezembro 27

"Palestina" de Sacco - A guerra aos quadradinhos


“Palestina”, um conjunto de dois volumes de banda desenhada, da autoria do americano Joe Sacco, foi a escolha do Diário de Notícias do passado dia 27 para “Melhor álbum estrangeiro de banda desenhada de 2004”. A obra em questão é composta por dois volumes, “Uma Nação Ocupada” e “Na Faixa de Gaza” e foi editada no nosso país em língua portuguesa entre finais de 2003 (o primeiro volume) e inícios de 2004 (o segundo volume). Trata-se de um lançamento da editora MaisBD em co-edição com a Devir, inserido na Colecção “Mundo Fantasma”.
Publicada pela primeira vez em 1993, “Palestina” é uma criação de Sacco após dois meses nos territórios ocupados pelos israelitas em 1991, acompanhado de um caderno de apontamentos, de um gravador e de uma objectiva fotográfica. Ao longo dos quadradinhos, vamos percebendo relatos palestinianos de torturas, de morte, de sofrimento e humilhação, quer em campos de prisioneiros, quer no próprio quotidiano. Ao longo dos quadradinhos, vamo-nos apercebendo da opressão israelita e vamos sentindo uma completa empatia com o sofrimento do povo palestiniano, notando porém as contradições deste. Ao longo dos quadradinhos, vamo-nos apercebendo da guerra.
Poder-se-á acusar esta obra de parcialidade e subjectividade, mas o facto é que “Palestina” não se restringe à esfera jornalística, mas avança também para a própria arte, na qual a subjectividade é o ponto de partida. Por outro lado, Sacco admite não saber ao certo o significado de objectividade, enquanto que está absolutamente seguro de que “uma real e histórica injustiça está a ser perpetrada ao povo palestiniano” (conforme podemos ler em Público 2).
Esta obra é, assim, completamente inovadora uma vez que dá uma missão política e mesmo jornalística à banda desenhada, tradicionalmente ligada ao humor, à aventura e fantasia. Neste ponto aproxima-se mesmo de “Maus” de Spiegelman, em que o autor relatava como o pai havia sobrevivido aos campos de concentração nazi. Talvez pelo seu carácter inovador, pela sua efectiva qualidade artística e até pela sua validade social, “Palestina” tenha sido já distinguida com uma nomeação para os prestigiados Harvey Award, tenha sido contemplada em 1996 com o American Book Award e em 1999 com os prémios France Info e Tournesol (Festival Internacional de Angouléme – França). E talvez pelo mesmo motivo tenha sido agora escolhida pelo DN como o melhor livro de banda desenhada de 2004.

Fontes:
Diário de Notícias
Público 1
Publicações Devir (Colecção Mundo Fantasma)
EOL - Entretenimento On Line

domingo, dezembro 19

Vale Negro - as palavras de quem veio da guerra


A jornalista Paula Serra lançou em Lisboa, no passado dia 9, Vale Negro, uma obra com rigor jornalístico e estilo marcadamente literário que retrata o povo, os modos de vida e os sentimentos reinantes em duas terras assoladas pela guerra: o Afeganistão e o Paquistão.
Esta obra de Serra resultou das viagens da jornalista a estes países entre Setembro de 2001 e Dezembro de 2003. De facto, uma semana após os atentados do 11 de Setembro, Serra encontrava-se já no Paquistão a fazer a cobertura dos acontecimentos para a revista Visão. A partir daí, foram sendo escritas páginas e páginas com uma teia de histórias que permitem aceder a um mundo completamente desconhecido, por um lado, assolado “por tradições ancestrais”, por outro sujeito e destruído por “modernos interesses económicos” (in Diário de Notícias 1).
Vale Negro é acima de tudo a voz de quem experimentou o medo, a repressão, a sensação de exclusão social reservada às mulheres nestas sociedades, de quem experimentou as visões de pobreza e fome e as visões infelizmente inesquecíveis da guerra, mas também de quem conheceu “uma generosa hospitalidade” (in Europa-América), uma imensa ternura, e uma admirável coragem.
Editado pela Europa-América, esta obra constitui uma experiência literária incontornável, no seio de um mundo onde as guerras entre Ocidente e Oriente não parecem nunca mais cessar.

Outras fontes:

sexta-feira, dezembro 10

(Est)Ética Terrorista no Teatro da Garagem

Com vontade de "lançar bombas" e de "não ficar quedo no seu lugar, contente com a sua vida" - é como sai qualquer espectador da peça "Os Justos", obra de Albert Camus, adapatada e encenada pelo grupo de Teatro Mala Voadora, com direcção artística de Jorge Andrade e José Capela. Esta peça de teatro, estreada no passado dia 3 no Teatro da Garagem (Lisboa), faz-nos reflectir de forma inédita acerca do terrorismo, transportando-nos da Rússia czarista de 1906 até aos dias de hoje.
Em cena até ao dia 15, esta obra conta-nos a história de um grupo socialista revolucionário que prepara e executa um atentado mortal ao Grão Duque. A partir deste acontecimento, desenrola-se um novelo interminável de questões que põem em causa o valor ético e os motivos de um acto terrorista que pressupõe o sacríficio de vidas. As contradições e complexidades são constantes num diálogo onde se tentam resolver questões da existência humana que perduram até hoje. A promessa de felicidade por parte de um grupo poderá adequar-se a todas as pessoas? Ódio contra ódio será a solução? Poder-se-á lidar com um poder autoritário e violento de braços cruzados? Haverá formas pacíficas de resolver o absolutismo? Estas são as perguntas que constituem o novelo de "Os Justos".
E quem desfia este novelo? Dum lado temos: Boria, o líder dos terroristas, Yanek, o autor do lançamento da primeira bomba, Alexis, que terá de lançar a segunda bomba, Dora, que é a única mulher do grupo e é responsável pela preparação das bombas, e por fim Stepan. Do outro lado, temos Skoutarov e a Grã-Duquesa que constituem a autoridade czarista e que defendem o poder absoluto e autocrático, punindo todos os que atentam sobre ele.
Em resumo, comunhão ideológica, poder, crime e ética terrorista - estes conceitos poderiam traduzir o que está no palco quando vemos "Os Justos".
Esta peça, que surgiu como ideia após os atentados de 11 de Setembro, estabelece, segundo Jorge Andrade, a ponte entre um início do século XX, onde as revoluções bolcheviques relativizaram a importância do crime face a situações ditatoriais e totalitárias, e um início do século XXI onde os actos terroristas sucedem por parte dos povos mais desprotegidos (Palestina, Iraque) sujeitos a países de grande poderio económico e militar (Israel, EUA), vitimando, porém, inocentes.

Fontes:

sexta-feira, dezembro 3

Bonecos de Guerra


"Schickelgruber, alias Adolf Hitler" do dramaturgo Neville Tranter estará em cena no Teatro Nacional de S.João, entre o dia 10 e 12 de Dezembro.


Inserido no Festival Internacional de Marionetas do Porto (FIMP), o espectáculo "Schickelgruber, alias Adolf Hitler" do dramaturgo australiano Neville Tranter estará em cena no Teatro Nacional de S.João, entre o dia 10 e 12 do presente mês.
O espectáculo que a Stuffed Puppet Theatre (companhia fundada pelo próprio Tranter) traz agora a um palco português tem base nos últimos dias de Hitler passados num bunker em Berlim. Tudo se passa no dia do 56º e último aniversário do Führer (20 de abril de 1945). Este encontra-se na companhia de Eva Braun, sua amante, e dos seus ministros Hermann Goering (Luftwaffe) e Joseph Goebbels (Propaganda e Informação). Eva Braun encontra-se embriagada e os ministros não páram de falar, convencendo Hitler que ainda há uma solução, de que quando Hitler falar de novo ao povo tudo se iré remediar. Somente Hitler se encontra silencioso e resignado. Enquanto esta cena decorre, o Exército Vermelho (URSS) ocupa a cidade e cada vez mais se aproxima do bunker onde estão Hitler e os seus companheiros. A situação é irreal mas lança a verdade de um novelo de emoções quer relativamente à personagem de Hitler, quer em relação a toda a II Guerra Mundial.A morte está sempre presente em toda a peça, e toda a encenação do bunker se torna um espaço mórbido, tétrico, e essencialmente resignado.
Neville Tranter, marionetista, actor e mentor do espectáculo é capaz de dar imagens que o público tão cedo não esquecerá, juntando à ambientação minimalista a música, a luz e o som, e combinando ferramentas do teatro tradicionais com tecnologia de ponta.
Este espectáculo é, assim,m a passagem em palco de uma guerra que atingiu todo o mundo e o transformou por completo, a nível social, político, económico e humano. Porém, é de notar que Neville Tranter não o faz de qualquer forma: ele tem humor, seriedade ética e política, sensibilidade artistíca,e o dom de dar vida a um boneco.


Fontes: