Dois estilhaços iraquianos no Festival de Cannes
Bushing do japonês Masahiro Kobayashi e Quilómetro Zero do curdo iraquiano Hiner Sallem - estes dois filmes exibidos no passado dia 12 na edição do Festival de Cannes deste ano precipitaram entre os espectadores a memória do país mais recentemente e mediaticamente assolado pela guerra: o Iraque.
O autor de Bushing dedicou-se a uma específica vítima de guerra: o refém, lembrando, por um lado, a guerra e o sistema de violência irquianos, e, por outro, um problema social japonês. Baseando-se na história de vida de três reféns iraquianos em regresso ao seu país natal (Japão), Kobayashi retrata, de modo ficcional, a vida de uma mulher (Yuko) ex-refém iraquiana de volta à sociedade japonesa. Ameaçada, insultada e agredida, Yuko chega a pôr em causa fugir do seu próprio país apenas porque a sociedade onde se integra se sente ofendida por esta ter despertado as atenções da comunidade internacional.
Por sua vez, a obra cinematográfica curda partiu do desejo de apresentar o Iraque ainda antes da explosão da guerra norte-americana, abordando a história de um jovem curdo (Ako) que, ao tentar sair do Iraque durante a guerra com o Irão, é recrutado contra a sua vontade para lutar do lado militar iraquiano. A tensão psicológica do filme adensa-se, quando Ako tem de acompanhar o corpo de um soldado morto e levá-lo até à família, num táxi. Durante esta viagem, o soldado curdo desenvolve uma relação inteiramente simbólica com o taxista árabe que conduz. Os momentos de empatia e de afastamento não são mais do que, afinal de contas, referências à própria relação entre estes povos nas suas relações diplomáticas.
Assim, ambos os filmes retratam vidas sacrificadas pela guerra de um país que ainda hoje não conhece a paz, o que terá atraído as atenções dos espectadores do grande festival. Porém, nem o japonês nem o iraquiano ganharam qualquer prémio ou distinção, por parte do júri.