sexta-feira, junho 3

Lingchi: vendo atrás da fotografia de um soldado

Lingchi, uma instalação de vídeo de Chen Chieh-Jen, foi inaugurada no passado dia 1, integrada na edição Lisboaphoto 2005. Em exposição na Sociedade Nacional de Belas Artes (Lisboa), esta obra do artista de Taiwan expõe, durante 22 minutos, uma tortura pública recriada, a partir de uma fotografia tirada por um soldado francês, na China, em 1905 e tornada célebre pelo ensaísta, igualmente francês, Georges Bataille.
Integrada no tema A Imagem Cesura, tema comum a todas as obras expostas nesta bienal, Lingchi recupera tudo o que acontecera ao alvo desta fotografia antes do flash da máquina fotográfica ter “ecoado” no espaço. A fotografia do soldado francês exibe um homem de rosto oriental, amputado em várias partes do corpo; a instalação de Chen Jen é toda a tortura pública da amputação figurada no corpo e no rosto de um homem, com gestos adormecidos e torpes de ópio, que vai sendo esquartejado, completamente exposto à violência. No meio desta embriaguez de violência, ainda se podem ver, nos três ecrãs que constituem a instalação, imagens de fábricas abandonadas e operários.
Também em exibição na Bienal de Veneza, o trabalho de Chen Jen é um símbolo da história da imagem e constitui ainda uma profunda crítica social e política. Não abordando a guerra em si, entrega-nos a violência aos olhos e põe-nos em alerta para possíveis futuras imagens de guerra. A crise na economia asiática, as relações Oriente-Ocidente, a globalização e a situação política de Taiwan são constantes nos três ecrãs da bienal.


Outras Fontes:
Diário de Notícias
Guia do Lazer

sexta-feira, maio 27

Dois estilhaços iraquianos no Festival de Cannes

Bushing do japonês Masahiro Kobayashi e Quilómetro Zero do curdo iraquiano Hiner Sallem - estes dois filmes exibidos no passado dia 12 na edição do Festival de Cannes deste ano precipitaram entre os espectadores a memória do país mais recentemente e mediaticamente assolado pela guerra: o Iraque.
O autor de Bushing dedicou-se a uma específica vítima de guerra: o refém, lembrando, por um lado, a guerra e o sistema de violência irquianos, e, por outro, um problema social japonês. Baseando-se na história de vida de três reféns iraquianos em regresso ao seu país natal (Japão), Kobayashi retrata, de modo ficcional, a vida de uma mulher (Yuko) ex-refém iraquiana de volta à sociedade japonesa. Ameaçada, insultada e agredida, Yuko chega a pôr em causa fugir do seu próprio país apenas porque a sociedade onde se integra se sente ofendida por esta ter despertado as atenções da comunidade internacional.
Por sua vez, a obra cinematográfica curda partiu do desejo de apresentar o Iraque ainda antes da explosão da guerra norte-americana, abordando a história de um jovem curdo (Ako) que, ao tentar sair do Iraque durante a guerra com o Irão, é recrutado contra a sua vontade para lutar do lado militar iraquiano. A tensão psicológica do filme adensa-se, quando Ako tem de acompanhar o corpo de um soldado morto e levá-lo até à família, num táxi. Durante esta viagem, o soldado curdo desenvolve uma relação inteiramente simbólica com o taxista árabe que conduz. Os momentos de empatia e de afastamento não são mais do que, afinal de contas, referências à própria relação entre estes povos nas suas relações diplomáticas.
Assim, ambos os filmes retratam vidas sacrificadas pela guerra de um país que ainda hoje não conhece a paz, o que terá atraído as atenções dos espectadores do grande festival. Porém, nem o japonês nem o iraquiano ganharam qualquer prémio ou distinção, por parte do júri.

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Ver: Amor – Grossman e a memória do Holocausto


Ver: amor, o novo romance do escritor e pacifista israelita David Grossman foi apresentado no passado dia 23 de Maio, às 18h30, na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa. Esta apresentação foi feita por Clara Ferreira Alves e contou com a presença do autor.
Editado pela Campo das Letras e traduzido do hebraico por Lúcia Liba Mucznik, o novo livro deste vivente de guerras conta a história de um rapaz de nove anos (Momik), filho único de uma família judia que sobrevivera ao Holocausto. Com esta pesada herança histórica, Momik vai percorrer a história, narrada pelo seu avô, procurando o humano em cada uma das suas viragens.
Como o seu próprio autor confidencia em entrevista ao Diário de Notícias, mais do que um livro sobre a morte, Ver: amor é um livro sobre a vida. A escolha do ângulo da criança sobre a guerra reflecte a ideia de Grossman, segundo a qual, todos nós, perante a guerra, somos crianças. Contar uma história sobre o Holocausto, confessa o autor, é uma forma de sobreviver à sua memória. Mesmo que implicitamente, nesta obra está ainda presente o ímpeto do abraço a um povo, o desejo de sair de uma ideia de condenação à violência, a urgência de avisar aos povos que há outro caminho, para além do ataque e da defesa.
“Romance de fôlego e de brutal inteligência”, como o define George Steiner no Sunday Times, Ver: Amor é, para além, da sua qualidade literária, um importante marco na visão de um dos mais lamentáveis horrores da História da Humanidade, bem como um incentivo à aproximação dos povos, em pleno século XXI.



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terça-feira, maio 24

Maggio 43: representando memórias de guerra


Maggio 43, peça exibida nos passados dias 12, 13 e 14 no Teatro Taborda em Lisboa, ao encargo d'Os Artistas Unidos, é uma obra do dramaturgo Davide Enia que nos leva até aos bombardeamentos americanos da cidade de Palermo, durante a II Guera Mundial.
"Porque praticamente já não havia estradas, havia pedaços de casa, traves de madeira, pedras... às vezes, das ruínas, saíam cá para fora pedaços de braços, pernas, cabeças... eu e o meu irmão, que éramos miúdos, chamávamo-los «flores de carne», não sei porquê" - este é apenas um dos mais de 100 testemunhos obtidos por Enia nas entrevistas que obteve junto de sobreviventes, para escrever Maggio 43. Interessava a Enia a vida quotididiana de uma cidade onde ecoavam os bombardeamentos. A peça, que nos é narrada por uma criança de 12 anos, Gioacchino, parte do momento em que esta criança visita a sepultura do irmão e lhe conta tudo que aconteceu, quer com a sua família, quer com a história. E durante esta narração, o público vai tendo acesso a todos os possíveis estilhaços da memória de uma guerra mundial, da chegada dos americanos, dos bombardeamentos de Maio de 1943, da morte, do ruído das bombas, da pobreza, da fome, do medo.
Segundo o dramaturgo (em declarações ao jornal Público), em Maggio 43 há três tipos de guerra ocorrendo em simultâneo: a guerra do episódio histórico, a guerra entre as pessoas adultas (num novelo de tensões perante a fome, o medo e a morte) e a guerra interior de uma criança que deseja entrar no mundo dos mais velhos. A idade do narrador da história e mesmo a idade dos entrevistados (pessoas que durante a guerra tinham entre seis a vinte anos) reflectem o interesse de Enia em apresentar a guerra, segundo "um olhar puro sobre as coisas", segundo o olhar envolto de inocência de uma criança.
Palermo, cidade natal de Enia, foi a paisagem de guerra escolhida, talvez porque ainda hoje mostre os sinais dos bombardeamentos de 1943, talvez por ser, como Enia faz notar, uma metáfora do tempo em que vivemos: um tempo "feito de grandes feridas que vemos continuamente".
Fontes:

terça-feira, maio 10

Cantos afegãos editados em português


"A Voz Secreta das Mulheres Afegãs - O suicídio e o canto", conjunto de poemas provenientes da lírica popular afegã, antologiado e explicado pelo notável poeta afegão Sayd Bahodine Majrouh, foi recentemente editado em Portugal pela editora Cavalo de Ferro, tendo sido traduzido do francês por Ana Hatherly.
Definido pelo poeta como "um canto que se alimenta de guerra e de honra, de vergonha e de amor, de beleza e de morte", o tipo de lírica popular presente no livro parte de uma tradição oral entre as mulheres afegãs, versando temas de amor, de sofrimento, de contemplação telúrica ou de revolta.
O género poético presente na obra é principalmente o landay, poema breve, frequentemente anónimo, oriundo de diferentes lugares da sociedade afegã e eternizado no tempo através da memória colectiva desta. Ao reunir estes poemas, Majrouh, também ele atingido pela guerra afegã, expõe principalmente a condição da mulher neste país... Geralmente remetidas à tutela do poder masculino, infelizes e descontentes com o amor, estas mulheres, como o próprio título do livro adivinha, ou se suicidam ou cantam.
Segundo o poeta, o canto será no Afeganistão uma questão de sobrevivência, na medida em que é o único meio de expressão para estas silhuetas femininas reprimidas e martirizadas. Pelos homens do seu país e pela guerra que tem vindo de todos os lados do mundo.
Fontes:

segunda-feira, maio 2

Duas telas de guerra num Indie Lisboa maior



A segunda edição do Indie Lisboa, Festival Internacional de Cinema Independente, iniciada a 21 de Abril e encerrada ontem, contou com cerca de 130 filmes (mais 50 que o ano passado), com mais uma secção e quase o dobro das sessões. Com os números graúdos deste novo Indie, contrasta o número miúdo de incursões na temática da guerra: apenas dois filmes visionados tiveram patente o eco das guerras.

Inserida na secção Sessões Especiais, a primeira alusão à guerra, exibida no Fórum Lisboa no dia 23 de Abril, veio pelas mãos do reconhecido realizador americano Samuel Fuller, sendo uma reconstrução, com mais 40 minutos de material, do seu filme The Big Red One. Reconstruído pelo historiador de cinema Richard Schickel e pelo produtor Brian Jamieson, este filme consta de duas horas e 40 minutos, em que se pode ver uma sucessão de cenas de batalha durante a II Guerra Mundial. Este épico de guerra semi-autobiográfico, fortemente baseado na experiência do realizador enquanto se encontrava ao serviço da Força Big Red One, relata o horror, o drama e o caos vivido por um grupo de quatro jovens soldados, chefiados pelo sargento veterano Possum (papel interpretado pelo conhecido actor Lee Marvin). A particularidade do filme é a extensão aos dois lados da batalha, incluindo o drama vivido por ambas as partes do conflito. Isto insere-se perfeitamente na ética de guerra desde sempre assumida por Fuller: uma ética impiedosa que defende a inexistência de sobreviventes, de vencedores ou vencidos, uma ética moderna que exclui a possibilidade de salvação para qualquer guerreiro.

A segunda escolha relacionada com a temática da guerra encontrava-se integrada na Secção Competição e pertencia ao realizador italiano Saverio Constanzo. Private, filme baseado numa história verídica, retrata o conflito israelo-palestiniano, partindo da vivência de uma família palestiniana, cuja casa foi ocupada por soldados israelitas. Num tom provocador e cruelmente realista, Constanzo mostra os conflitos e dilemas vividos dentro desta família, após o seu lar ter sido transformado num posto de vigia dos territórios ocupados. O filme, que recebera já as distinções de Melhor Filme e Melhor Actor no Festival de Locarno, recebeu neste Indie Lisboa o Prémio do Público, perdendo o principal galardão (Grande Prémio de Longa-metragem) para "The forest for the trees", de Maren Ade.

Fontes:
Indie Lisboa
Diário de Notícias 1
Diário de Notícias 2
Diário de Notícias 3
Diário de Notícias 4
Diário de Notícias 5
Cinema 2000
Jornal de Notícias

domingo, abril 24

Hitler mais humano a chegar aos cinemas de Israel


O filme A Queda - As últimas horas de Hitler de Oliver Hirschbiegel, filme polémico na medida em que mostra um Hitler mais humanizado, será exibido no próximo mês em Israel. Esta exibição deve-se à decisão de Nurit Shani, proprietária da distribuidora Shani Filmes. Após uma opinião maioritariamente positiva relativamente ao filme, por parte dos espectadores de um teste efectuado no início deste mês, Shani resolveu distribuir o filme pelos seus sete cinemas a partir de 19 de Maio.
Esta obra cinematográfica, protagonizada pelo actor Bruno Ganz e candidata ao óscar de melhor filme estrangeiro, relata os dias finais de Hitler no seu bunker em Berlim. Antes do suicídio, segundo a visão percebida no filme, Hitler varia entre o ódio, a loucura, a ternura e o amor. Estes são sentimentos que nem de todo se coadunam com a política radical israelita no que respeita à memória do Holocausto. O país que ainda abriga 280 mil sobreviventes do Holocausto não verá certamente o filme sem que a polémica se instale.
Shani aponta para a necessidade urgente do povo israelita lidar de perto com a memória desta figura, para a necessidade de encará-la de frente já que não se pode ignorá-la, acrescentando que não exibir o filme seria um acto de censura. Por seu lado, Efraim Zuroff, director do escritório do Centro Simon Wiesenthal, não está muito preocupado com a exibição em causa, embora não se mostre especialmente interessado em que as pessoas o vejam.


Fontes:
Público (15/04/2005) - não disponível on-line

quinta-feira, abril 21

M.I.A. - música em dialecto de guerra


O primeiro álbum de M.I.A., "Arular", editado no mês passado nos Estados Unidos da América, chegará a Portugal na próxima segunda-feira, dia 25 de Abril. O disco revela algumas das experiências de guerra vividas por esta cantora, pertencente à minoria Tamil do Sri Lanka, que, desde os anos 7o, mantém um conflito militar com a maioria Singalesa que se encontra no poder.
Desde os 10 anos, residente em Londres e separada do pai, que continua a lutar pela indepêndência, M.I.A. (cujas ininiciais significam Missing in Action - Desaparecida em Combate), após dois singles de sucesso, assinou contrato com a XL Recordings e lançou "Arular". Este seu primeiro álbum, que recebeu o nome de guerra do pai, é uma mistura de música urbana de rua, electronica, reggaeton, dancehall, funk e pop. É, para além de tudo, uma mistura da voz de menina irreverente com a imagem de uma sobrevivente; nas suas canções ouvimos momentos traumáticos de guerra: as constantes fugas e perseguições, os bombardeamentos, o incêndio da sua escola, a morte de amigos, a situação de refugiada em Londres... Como ela explica em entrevista ao Público, após dez anos rodeadada de violência, seria inevitável que, ao ter oportunidade de comunicar com o mundo, invocasse estes momentos de violência. Por outro lado, Maya Arulpragasam (nome verdadeiro da cantora) sublinha ainda a necessidade sentida neste disco de perceber o que leva alguém a travar uma luta por uma causa que pensa ser justa, distinguindo claramente esta luta da palavra "terrorismo".
M.I.A, para além de cantora, formou-se aos 22 anos em cinema, no College of Art and Design. Em 2001, chegou mesmo a fazer um documentário no Sri Lanka, que visiva sublinhar a diferença entre os jovens ingleses e os do Sri Lanka. Neste documentário, percebeu uma apatia inglesa generalizada contrastante com um altruísmo quase fundamentalista no Sri Lanka. O documentário ficou no abandono, devido à legislação pós 11 de Setembro que visava uma prevenção total ao terrorismo. Porém, das suas imagens já resultou uma incursão por parte de M.I.A. no terreno das artes plásticas, que, por sua vez, lhe valeu a publicação de um livro de gravuras e uma nomeação para o "Alternative Turner Prize".

Fontes:
Apartes
Público